Estudo investiga a presença de vírus e bactérias em artérias cerebrais com aneurisma, avaliando marcadores inflamatórios e comparando dados de pacientes com os de pessoas saudáveis; na foto, microcirurgia para coleta de amostras da parede do aneurisma – Foto: Cedida pelo pesquisador
Os estudos com citosinas inflamatórias (moléculas que regulam a resposta do organismo a inflamações) e material genético dos micro-organismos são supervisionados pelo professor Paulo Henrique Braz da Silva, do Departamento de Estomatologia da Faculdade de Odontologia (FO) da USP.De acordo com Nunes Rabelo, a presença de periodontite e lesões periapicais (nos tecidos em torno da raiz dos dentes) facilitam as alterações inflamatórias crônicas. “A inflamação modifica o microambiente da cavidade oral, e as bactérias podem então migrar através da circulação sanguínea e se depositarem nos vasos sanguíneos do cérebro, promovendo novas respostas inflamatórias e modificando a qualidade da parede do vaso”, relata. “A prevalência de periodontite na população brasileira é de 15%, segundo dados de 2010, sendo considerada uma doença silenciosa”.Análise periodontal e coleta do material bucal, que é feita em pacientes com aneurismas rotos (com ruptura de vasos sanguíneos) e não rotos (sem ruptura), além de pessoas saudáveis com cefaleia e exame angiográfico normal – Foto: Cedida pelo pesquisador.
Por esse motivo, a inflamação periodontal crônica por bactérias e vírus pode levar à inflamação sistêmica. “Ela pode estar por trás da ruptura do aneurisma cerebral devido a alterações na parede dos vasos sanguíneos do cérebro, como apoptose, infiltração de células T e macrófagos e ativação do complemento. Esta condição se soma aos fatores de risco tradicionais para a formação e a rotura do aneurisma cerebral”, destaca o médico. “Estudos realizados na Finlândia em pessoas com aneurisma cerebral mostram que a prevalência de doença periodontal pode chegar a 65%”.Programa de computador utilizado para a realização da pesquisa faz a analise da cavidade bucal, pesquisando o material genético de pessoas com aneurismas e saudáveis (grupo controle) através da saliva – Foto: Cedida pelo pesquisador
Desde 2018, foram catalogados cerca de 300 pacientes com aneurismas cerebrais, operados por microcirurgia ou embolização, no Instituto Central do Hospital das Clínicas (ICHC) da FMUSP. Nesse grupo, está em curso a seleção de aproximadamente 80 pacientes (40 rotos e 40 não rotos), em que é feita a coleta de material para análise bucal, e em alguns casos também são recolhidas amostras do aneurisma. Outros 40 pacientes, que fazem parte do grupo controle, uma amostragem das pessoas saudáveis, são submetidos a estudos da qualidade bucal. A seleção dos participantes é baseada em critérios de inclusão e exclusão, respeitando princípios do Comitê de Ética.Além do acompanhamento da evolução dos casos de aneurisma, a pesquisa faz uma avaliação odontológica aprofundada de cada caso. A avaliação periodontal acontece no ICHC e no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP (HCFMUSP). Todo o material é encaminhado para o Laboratório de Virologia da do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMTSP), que faz a análise de marcadores inflamatórios, citosinas inflamatórias e do material genético (DNA e RNA) dos micro-organismos existentes na cavidade bucal e na parede aneurismática.Professor Eberval Gadelha Figueiredo, orientador do estudo, e Nícollas Nunes Rabelo: cada caso analisado passa por uma avaliação odontológica aprofundada – Foto: Cedida pelo pesquisador
Segundo Nunes Rabelo, a doença aneurismática possui alguns fatores de risco não modificáveis. “Entres eles, estão fatores genéticos, ser do sexo feminino, idade inferior a 50 anos, ser de etnia finlandesa e japonesa, além de doenças associadas como doença do colágeno, aneurismas múltiplos, doença de Marfan e rins policísticos”, conta. “Hoje, a grande discussão é sobre o controle dos fatores de risco modificáveis, tais como hiperlipidemia, tabagismo e hipertensão arterial sistêmica”.Um exemplo bem conhecido de infecção crônica apontado pelo neurocirurgião é a colonização do vírus Herpes no organismo, que pode causar falência hepática, redução do hipocampo (região do cérebro associada à memória), pneumonia idiopática, agravos intestinais e alterações hematopoieticas (na formação das células do sangue).“Outro exemplo bastante descrito na literatura é a associação de periodontite bacteriana com aneurisma de aorta”, destaca. “Assim, avaliar o perfil da microbiota e a virologia de pacientes com e sem aneurismas intracranianos é um passo adiante no entendimento de novos fatores de risco para a doença”.Recentemente, Nunes Rabelo e os professores Gadelha Figueiredo e Manoel Jacobsen Teixeira, da FMUSP, escreveram uma carta para a revista Hypertension, comentando uma pesquisa realizada nos Estados Unidos que analisou o papel da microbiota intestinal em camundongos na formação de aneurismas intracranianos experimentais. “A carta aponta que estudos como esse são importantes no entendimento a respeito da inflamação crônica no processo de infecção”, afirma o médico, “formando alterações inflamatórias sistêmicas vasculares e mudanças nas paredes do vaso, predispondo à formação e rotura do aneurisma cerebral”.